Conto um, conto dois...quantos cantos têm a mim! Conto muitos como muitos e tantas vezes e, tantas contas que nem tenho mais conta de quantos contos ainda sou! Cantamos o que damos conta, o que vemos e o que ouvimos, o que nos dizem e o que nos mostram e adiante nós seguimos como conhecedores de nós mesmos. Pedaços é o que somos e, como pedaços, precisamos ser juntados, mas o inteiro que podemos ser jamais será descoberto, difícil ser arrebanhado.

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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A morte de Dom Juan

Canto criado em 01/12/2016
(Adaptado do conto de Oscar Vadislas de Lubicz Milosz, em 1912, sobre Dom Miguel de Mañara, sedutor e libertino incorrigível que, ainda jovem, tido como um Dom Juan, vivencia um encontro com um espírito misterioso que o motiva a se converter ao Cristianismo e se tornar Padre, em Sevilla, em meados do Século XVII. A poesia abaixo traduz, com certa licenciosidade poética, a mensagem recebida do espírito durante o diálogo. O texto original, traduzido para o Português, vem logo em seguida)


Sorte do homem que tem o coração
Como a pedra de um sepulcro debaixo da neve
E cuja esperança é como o nome de um pai
Marcado na lápide enterrada no chão

Sorte do homem cujo ventre exposto
É como o lugar em que se planta a cruz
E cujo sangue é como o pavor dos mudos
Que não falam, mas ouvem tudo o que seduz

Sorte do homem maldito por sua mãe,
Que cega levanta o bastão sob a lua
E, no coração do silêncio que é rasgado,
Dança a dança dos loucos que dançam na rua


Sorte do homem cujas lágrimas são a chuva
Nos sepulcros em ruína que se desfazem na relva
E cuja pele é o barulho da serpente no paraíso
Se arrastando entre as folhas, se escondendo na selva


Sorte do homem cujo filho vem da luxúria
Mas não da sua, do inimigo que o persegue
O filho que sob a lua, no silêncio da chuva
Segue seus passos, inteiro entregue


Mas coitado do homem que por medo prefere
O vazio do tédio ao tormento da paixão,
Aprisionado ao fantasma da vida passada,
Descrente de tudo, vive em vão.
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O primeiro mistério
(Trecho do original de O.V.L. Milosz, traduzido para o Português e que pode ser encontrado em https://www.amazon.com.br/Miguel-Manara-Oscar-V-Milosz/dp/8474909848)

A SOMBRA: Bem-aventurado o homem cujo coração é como a pedra de um sepulcro debaixo da neve e cuja esperança é como o nome de um pai marcado no sepulcro. Bem-aventurado o homem cujo ventre é como o lugar em que se planta a cruz e cujo sangue é como o pavor dos mudos. Bem-aventurado é o homem maldito por sua mãe cega. Ela levanta o bastão debaixo da lua. O coração do silêncio é rasgado. Bem-aventurado o homem cujas lágrimas são a chuva dos sepulcros em ruína e cuja pele é o barulho da serpente entre as folhas. Bem-aventurado é o homem cujo filho nasce da luxúria do inimigo! O filho segue-o no silêncio da neve, escondendo-se atrás das árvores, sob o olhar da fria escondendo-se atrás das árvores, sob o olhar da fria lua. Mas ai, ai do homem consciente que prefere, cego para a beleza de Deus, o vazio do tédio ao tormento da paixão e o tormento da paixão ao vazio do tédio!

DOM MIGUEL: Quem é você, espírito?

A SOMBRA: Eu sou o fantasma da sua vida passada.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sons da cidade


Walner Mamede
Um canto criado em 05/01/2018



A chuva vem caindo
Os carros vão passando
Pessoas a andar
A cidade está sorrindo
O céu está chorando
Veja esse lugar
Salário que se espera
Comida na panela
Sonhos pra viver
Ruídos que não param
Buzinas que disparam
A vida a correr
Motores aceleram
Sirenes reverberam
Um grito em algum lugar
Um corpo estendido
Pegaram um bandido
Que vão logo soltar
Os sons dessa cidade
Recitam a verdade
Para quem quiser ver
A mocinha na janela
O senhor da quitandela
Eu e você

E parado vejo a chuva
Caindo sobre a cidade
Esperando a minha hora
Uma oportunidade
De entrar mais uma vez
Nessa loucura
Na insanidade