Conto um, conto dois...quantos cantos têm a mim! Conto muitos como muitos e tantas vezes e, tantas contas que nem tenho mais conta de quantos contos ainda sou! Cantamos o que damos conta, o que vemos e o que ouvimos, o que nos dizem e o que nos mostram e adiante nós seguimos como conhecedores de nós mesmos. Pedaços é o que somos e, como pedaços, precisamos ser juntados, mas o inteiro que podemos ser jamais será descoberto, difícil ser arrebanhado.

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sábado, 1 de novembro de 2014

Bildung



Walner Mamede

Eu procuro o sarcasmo sutil,
Com cheiro e gosto de mulher,
A frase trazida de um filme,
De um livro, de uma poesia qualquer.
Eu procuro o perfume discreto,
Banhado em presença de espírito,
A autêntica e inteligente heresia,
Mais que um sorriso de afeto.
Eu procuro a ironia disfarçada,
Largada, solta de repente,
Uma sentença curta e afiada,
Prenhe de sentido provocante.
Assim, formando a mim pelas coisas,
Aquelas que me rodeiam a esmo,
Eu me procuro naquilo que não sou,
Tradução do estranho em mim mesmo,
Para ver se me encontro no que é outro,
No estrangeiro além do meu corpo,
Lugar de onde parti e pra onde retorno,
Após correr livre por lugares ermos.


Uma pequena introductio post facto

O conceito de Bildung ou “formação cultural”, cujo sentido se consagrou a partir do século XVIII, foi perdendo conteúdo ao longo da segunda metade do século XIX. Bildung significa, no pensamento de Hegel, a ruptura com o imediato e passagem do particular ao universal...Bildung é formação prática, formação de si pela formação das coisas...à medida que a consciência trabalha formando as coisas ao seu redor, ela forma a si mesma. Bildung é, ainda, lançarmo-nos ao desconhecido em busca de nós, é uma viagem de ida por caminhos excêntricos, estrangeiros e de retorno ao nosso verdadeiro lugar, engrandecidos pela tradução do estranho e pela experiência com aquilo que não somos, é nos tornarmos outro, pois, conforme Friedrich Schlegel (apud Suarez, 2005, p. 195) “O nosso verdadeiro lugar é aquele ao qual sempre retornamos, depois de percorrer os caminhos excêntricos do entusiasmo e da alegria, não aquele do qual nunca saímos”. Nesse sentido, o ideal da Bildung é também, ao menos em parte, responsável pelo desejo de retorno à Antiguidade Clássica, tida como modelo mítico a ser visitado e imitado em busca da autenticidade perdida e do reencontro de nós mesmos.