Conto um, conto dois...quantos cantos têm a mim! Conto muitos como muitos e tantas vezes e, tantas contas que nem tenho mais conta de quantos contos ainda sou! Cantamos o que damos conta, o que vemos e o que ouvimos, o que nos dizem e o que nos mostram e adiante nós seguimos como conhecedores de nós mesmos. Pedaços é o que somos e, como pedaços, precisamos ser juntados, mas o inteiro que podemos ser jamais será descoberto, difícil ser arrebanhado.

Contatos por e-mail

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Morrer um pouco

Um canto por Walner Mamede


Quero dormir e acordar daqui mil anos
Quando os idiotas já tiverem virado lenda
E todas as tristezas tiverem sido enterradas
E todas as angústias tiverem sido arrastadas

Preciso morrer um pouco,
Só por um breve momento
Deixar de existir na vida,
Pra vida não me tornar louco
E a loucura que trago dentro
Virar companheira amiga,
De todos, o melhor alento

Quero dormir e não acordar mais
E, nos sete palmos de terra mexida,
Encontrar o tesouro de uma vida
Pois não há felicidade sem paz

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Desamparo aprendido

Um canto criado em 25/04/2018



Hoje, impossível falar e mesmo ouvir
Te amo, te quero, não consigo nem sair
Do lugar em que estou pra ficar bem, ao seu lado.
Tudo cinza e sem cores, tudo estranho e errado.
O mundo que conheço se desmancha à minha volta.
Olho as pessoas, em seus olhos só revolta,
Devolvem o olhar, olhos de peixe morto,
Sem vida, sem brilho, sem tudo, tudo torto.
Aqueles que esperamos fazer o que queremos
Só fazem o querem, só pensam em si mesmos.
Porta vozes da nação, de um povo sem noção
Prometem muitas coisas, todas, ilusão.
Leis sem razão condenam o vilão.
Vilão que foi herói?! Que zona essa nação!
Em 11 de setembro, um par de torres foi ao chão,
Aqui em nossas terras, são 3 torres, só que não.
Não, não foram, mas deviam ir,
Poderes ilegítimos, já foi, têm que cair.
Eu fico aqui parado, não consigo nem andar,
Olhando, desamparado, aprendi a aceitar
Que a justiça que é cega não vê o mal que faz
E a balança da igualdade pesa igual até demais.
Pensando nisso tudo e olhando pra nós dois,
Não sinto mais vontade, agora, só depois.
Depois de tudo pronto, depois de tudo feito,
Não dá pra fazer nada, agora não tem mais jeito!
Rá, fazer o quê? O agora não tem jeito!
Rá, fazer o quê? O agora não tem jeito!
Rá, fazer o quê? O agora não tem jeito!
Não tem jeito, não tem jeito, não tem jeito mais nãããão...
(Tá tudo acabado, meu irmão!)


sábado, 3 de fevereiro de 2018

Mercador de Verdades


(Walner Mamede – 03/02/2017)



mercador caminhando entre gentios

barraca montada em cima dos trilhos

locomotiva sem freio descendo a ladeira

ajuda a vender a fé verdadeira



comprem, vocês,

mas comprem agora

verdade fresquinha

inventada na hora



todos pararam só para ver

o q o homem vendia sem mesmo nem ter

a verdade do dia, trazida no vento

verdade verdadeira que morre com o tempo



comprem, vocês,

mas comprem agora

verdade fresquinha

inventada na hora



e o povo se olhou espantado, surpreso

conversando entre si, repetiram em peso

eu quero um punhado, ó o dinheiro seu moço

toma tudo q tenho e me dá mais um pouco



comprem, vocês,

mas comprem agora

verdade fresquinha

inventada na hora



e o homem vendeu para toda a cidade

o estoque que tinha da mais pura verdade

e o povo contente, com a certeza na mão

esqueceu como usar a própria razão.



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A morte de Dom Juan

Canto criado em 01/12/2016
(Adaptado do conto de Oscar Vadislas de Lubicz Milosz, em 1912, sobre Dom Miguel de Mañara, sedutor e libertino incorrigível que, ainda jovem, tido como um Dom Juan, vivencia um encontro com um espírito misterioso que o motiva a se converter ao Cristianismo e se tornar Padre, em Sevilla, em meados do Século XVII. A poesia abaixo traduz, com certa licenciosidade poética, a mensagem recebida do espírito durante o diálogo. O texto original, traduzido para o Português, vem logo em seguida)


Sorte do homem que tem o coração
Como a pedra de um sepulcro debaixo da neve
E cuja esperança é como o nome de um pai
Marcado na lápide enterrada no chão

Sorte do homem cujo ventre exposto
É como o lugar em que se planta a cruz
E cujo sangue é como o pavor dos mudos
Que não falam, mas ouvem tudo o que seduz

Sorte do homem maldito por sua mãe,
Que cega levanta o bastão sob a lua
E, no coração do silêncio que é rasgado,
Dança a dança dos loucos que dançam na rua


Sorte do homem cujas lágrimas são a chuva
Nos sepulcros em ruína que se desfazem na relva
E cuja pele é o barulho da serpente no paraíso
Se arrastando entre as folhas, se escondendo na selva


Sorte do homem cujo filho vem da luxúria
Mas não da sua, do inimigo que o persegue
O filho que sob a lua, no silêncio da chuva
Segue seus passos, inteiro entregue


Mas coitado do homem que por medo prefere
O vazio do tédio ao tormento da paixão,
Aprisionado ao fantasma da vida passada,
Descrente de tudo, vive em vão.
----------------------------------------------------------------------------------------
O primeiro mistério
(Trecho do original de O.V.L. Milosz, traduzido para o Português e que pode ser encontrado em https://www.amazon.com.br/Miguel-Manara-Oscar-V-Milosz/dp/8474909848)

A SOMBRA: Bem-aventurado o homem cujo coração é como a pedra de um sepulcro debaixo da neve e cuja esperança é como o nome de um pai marcado no sepulcro. Bem-aventurado o homem cujo ventre é como o lugar em que se planta a cruz e cujo sangue é como o pavor dos mudos. Bem-aventurado é o homem maldito por sua mãe cega. Ela levanta o bastão debaixo da lua. O coração do silêncio é rasgado. Bem-aventurado o homem cujas lágrimas são a chuva dos sepulcros em ruína e cuja pele é o barulho da serpente entre as folhas. Bem-aventurado é o homem cujo filho nasce da luxúria do inimigo! O filho segue-o no silêncio da neve, escondendo-se atrás das árvores, sob o olhar da fria escondendo-se atrás das árvores, sob o olhar da fria lua. Mas ai, ai do homem consciente que prefere, cego para a beleza de Deus, o vazio do tédio ao tormento da paixão e o tormento da paixão ao vazio do tédio!

DOM MIGUEL: Quem é você, espírito?

A SOMBRA: Eu sou o fantasma da sua vida passada.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sons da cidade


Walner Mamede
Um canto criado em 05/01/2018



A chuva vem caindo
Os carros vão passando
Pessoas a andar
A cidade está sorrindo
O céu está chorando
Veja esse lugar
Salário que se espera
Comida na panela
Sonhos pra viver
Ruídos que não param
Buzinas que disparam
A vida a correr
Motores aceleram
Sirenes reverberam
Um grito em algum lugar
Um corpo estendido
Pegaram um bandido
Que vão logo soltar
Os sons dessa cidade
Recitam a verdade
Para quem quiser ver
A mocinha na janela
O senhor da quitandela
Eu e você

E parado vejo a chuva
Caindo sobre a cidade
Esperando a minha hora
Uma oportunidade
De entrar mais uma vez
Nessa loucura
Na insanidade